Vacina para Ancilostomose
22/07/2018
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Parasitas complexos como vermes dificultam a produção de vacinas contra eles. Em 2004 somente havia a produção de dois tipos de vacinas contra vermes no mundo, pois é difícil o processo de encontrar uma molécula pequena o suficiente e característica desses parasitos que induza resposta no sistema imunológico.
A pesquisa para produção de uma vacina contra a ancilostomose feita por um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR), na unidade da Fiocruz em Minas Gerais, em parceria com o Instituto Sabin de Vacinas e pesquisadores norte-americanos da Universidade George Washington (GWU).
Rodrigo Correa de Oliveira, pesquisador do CPqRR e também o coordenador desse projeto no Brasil afirmou que a ancilostomose só é combatida com vermífugos, porém eles apenas matam o verme e não impedem a reinfecção. "Com a vacina, a proteção poderá ser muito mais eficaz, atuando no organismo por meio do sistema de defesa imunológica", acrescentou.
Esse projeto
recebeu US$ 22 milhões para financiar o desenvolvimento clínico da vacina, esse
patrocínio veio de uma entidade mantida pelo americano Bill Gates, Bill &
Melinda Gates Foundation.
"Este é o maior investimento em pesquisas de helmintos (vermes) já realizado no mundo e, a vacina, a primeira contra ancilostomose testada em humanos", afirmou Jeffrey Bethony, pesquisador da Universidade George Washington e membro da equipe de pesquisas do CPqRR.
A primeira
busca para uma vacina contra a ancilostomose foi em 1990, pelo pesquisador
Peter Hotez da Universidade George Washington, onde ele conseguiu isolar proteínas que esses vermes secretam quando estão
em fase larvária. Essas proteínas estimularam, in vitro, a produção de
anticorpos contra o parasita, e durante 10 anos
estudou 10 antígenos diferentes. No ano de 2000 com o financiamento da empresa
de Gates ele investiu dezoito milhões de dólares para a procura do antígeno que
seria capaz de estimular a ativação de anticorpos específicos para a doença,
onde o NaASP-2 foi o escolhido.
Os primeiros
testes com o NaASP-2 foram feitos em animais, especialmente cachorros, pois
eram os portadores da ancilostomose canina. O estudo consistia na infecção dos
cães por oito meses e eles desenvolvendo imunidade após esse período, os cães
ao adquirirem ancilostomose canina têm sintomas similares aos dos humanos.
Durante o projeto eles receberam vários tipos de vacinas, sendo algumas com
antígenos e outras com placebo. A vacina reduziu em até 50% a reinfecção dos
animais e a esperança é a de que o mesmo aconteça em humanos. O objetivo dessa
vacina seria induzir a produção de anticorpos, impedir a larva de migrar e
diminuir o número de vermes adultos. A eficiência dessa vacina é relativamente
baixa, porém de acordo com a Maria Elena Bottazzi, da
Universidade George Washington, esse efeito é suficiente para controlar esse
ciclo de infecção em moradores de zonas rurais, especialmente as crianças que
acabam tendo dificuldade de aprendizado devido à anemia. "Não esperamos ter uma
vacina esterilizante", disse Maria à Folha de S. Paulo. "Queremos que
os pacientes passem a não desenvolver mais a doença, mesmo se tiverem alguns
vermes no sangue."
Os
resultados nos animais encorajaram a pesquisa em humanos, segundo Ricardo
Fujiwara, pesquisador do CPqRR que participou ativamente dos testes nos EUA "O
primeiro passo foi a união do antígeno (NaASP-2) com adjuvantes, substâncias
adicionadas à vacina com o objetivo de aumentar a potencialidade da mesma. No
caso da ancilostomose, o adjuvante utilizado foi o hidróxido de alumínio". A
vacina foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), órgão
estadunidense que garante a segurança sanitária de serviços e produtos.
Os primeiros
estudos com humanos foram a fim de descobrir a quantidade adequada e eficiente
na eliminação dos vermes, sob a coordenação de Bethony nos EUA, foram feitos os
testes em 36 voluntários que foram divididos em três grupos nos quais as doses
testadas eram de 10, 50, e 100µg enquanto alguns recebiam placebos. Não eram
revelados os indivíduos que recebiam as vacinas ou placebos. De acordo com
Jeffrey Bethony não houve efeitos colaterais, e após duas semanas de aplicação
da vacina foram realizados testes sanguíneos para averiguar a produção de
anticorpos "A reação dos organismos
humanos em contato com a vacina foi muito positiva. Em termos de imunologia, a
vacina foi muito potente, com um aumento significativo na produção de
anticorpos dos voluntários", explica o pesquisador.
De acordo
com a pesquisadora mineira Maria Flávia Gazzinelli, professora de enfermagem na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) uma pesquisa assim leva em torno de
20 anos. Em 2012 os estudos da fase clínica no Brasil estavam sendo efetuados,
primeiramente em voluntários saudáveis, de 18 a 45 anos. Os testes foram feitos
com 36 voluntários. Foram três doses ministradas em quatro meses, onde os
voluntários passaram por diversos exames para avaliar as reações às vacinas,
que poderiam ir de vermelhidão à dor.
Essa fase
durou um ano, após os quatro primeiros meses as pessoas retornaram a cada dois
meses para serem avaliadas. A segunda fase em que as pessoas analisadas já
possuíam a enfermidade foi feita em Americaninhas, distrito de Belo Oriente, no
Vale do Rio Doce. Esse projeto começou em 2004 e começou com a aproximação
gradativa da comunidade, prefeitura, associações e sindicatos.Essa pesquisa ainda está em andamento.
A maneira
mais simples de se erradicar a ancilostomose em zonas endêmicas seria criar
infraestrutura e saneamento, além de calçar a população, entretanto o Governo
parece achar a imunização coletiva mais barata. Apesar de não se ter um cálculo
final de quanto custará a vacina ou o quanto ela será eficaz aos humanos, a
vacina custará em média US$ 0,50 (cerca de R$ 1,50) a
dose. Sendo que os vermífugos custam o mesmo.
A produção dessa
vacina terá impacto forte em países subdesenvolvidos, onde parasitoses são
endêmicas, porém as pesquisas de vacinas para doenças que atingem países pobres
não têm grande investimento, pois as empresas não vêem um possível lucro em
criar vacinas para regiões onde as pessoas não conseguirão pagar pelo produto
comercializado.
A vacina em
desenvolvimento para ancilostomose sendo barata é vantajosa para o Ministério
da Saúde em comparação com os medicamentos para tratar a doença. Pesquisadores
afirmam que com uma combinação de infraestrutura de saneamento e campanhas de
educação a ancilostomose poderá ser erradicada. Jeffrey Bethony foca sua
pesquisa justamente aos países subdesenvolvidos:
"Esse trabalho é voltado a grupos negligenciados de todo o mundo que sobrevivem com uma renda de US$ 1 por dia (equivalente a R$ 1,80), que representam um terço das áreas mais pobres do planeta. É uma busca para tratar e curar doenças tropicais que apresentam círculos viciosos.A pesquisa é financiada pela Fundação Bill Gates. Na região do Vale do Jequitinhonha a mesma pessoa pode adquirir a doença até quatro vezes seguidas, todas crônicas. O Brasil foi escolhido por estar em fase de transição econômica. Inicialmente pensamos na África, mas não há infraestrutura clínica para acompanhamento dos testes. Então nos voltamos para o Brasil. Aqui, encontramos a combinação perfeita: focos da doença e laboratórios de qualidade do Primeiro Mundo, bem como excelentes profissionais médicos e hospitais de alto nível, ou seja, 'uma janela para os testes." Finalizou Bethony.